Crítica de "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2" #12

Crítica de 'Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2' #12 | Ordem da Fênix Brasileira
CRÍTICA DE HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE - PARTE 2
Por Carol Almeida | Terra


É costume, e bastante cômodo para a indústria, associar as palavras "cinema" e "magia". Funciona como slogan, soa bem aos ouvidos e cai como uma luva para todas aquelas produções que, por falta da magia propriamente dita, reclamam para si o mérito abstrato do encanto. De um jeito que a tal publicizada "magia" do cinema terminou sendo maculada muitas vezes por produções pouco... mágicas. Tendo isso dito, é preciso reconhecer que, no caso da saga Harry Potter, "cinema" e "magia" são palavras que dançam uma valsa perfeita, poucas vezes tão bem rimadas e ritmadas por produções de grande porte como essa.

E ainda que a franquia apresente altos e baixos ao longo de sua carreira no cinema, não se pode negar agora, neste momento de despedida, que a série dos jovens magos se encerra provando que, sim, o cinema consegue ser mágico. E isso só acontece quando o feitiço usado não depende exclusivamente de imagens vertiginosas, mas sim de personagens bem construídos e um roteiro que não menospreza a inteligência do espectador.

Com a segunda parte da adaptação do último livro da saga Harry Potter, o que vemos em cena é um filme de porte dramático sólido dentro e fora de sua própria lógica mágica. Em outras palavras, a história funciona tanto para quem conhece os detalhes dos escritos de J. K. Rowling, quanto para quem chega ao cinema desavisado da complexa personalidade de cada personagem e dos 30 milhões de objetos e lugares que pertencem a esse universo.

Portanto, para Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2, esperem por um filme que reúne nele todos os conflitos gradativamente criados ao longo da série, mais especificamente a identidade ambígua de vários personagens centrais à trama, como Snape, Dumbledore, Voldemort e, claro, o próprio Harry Potter. E mesmo para quem desconhece as motivações dos nomes acima citados, fica claro que o forte deste título é lidar com os limites morais dos personagens. E quando isso é bem realizado, funciona tanto em uma produção independente, quanto naquela do combo pipoca-refrigerante-brinde.

O diretor David Yates, comandante da saga no cinema desde Harry Potter e a Ordem da Fênix, segura firme todos os elementos dos capítulos anteriores nesse desfecho em que, para resumir, Harry precisa enfrentar Voldemort em um embate final, ciente de que, para tanto, precisará ele próprio abdicar de algo bastante essencial à toda narrativa.
Yates dá trilha sonora épica e câmera lenta nos momentos épicos, dá silêncio e respiração aos personagens nos momentos dramáticos e coloca a câmera para namorar, em vários e frequentes closes, com seus personagens mais emblemáticos. Abre também espaço para diálogos mais densos - na medida da densidade permissível aos adolescentes - e, ao mesmo tempo, investe pesado em cenas de ação que, não raramente, se tornam soturnas e um tanto melancólicas. Algo que, possivelmente, gerou o imbróglio entre a Warner e a classificação etária do filme no Brasil que até o começo da semana estava em 14 anos e, de última hora, pulou para a bem mais comercial faixa dos 12 anos.

Razões do sucesso
Em linhas gerais, a saga inteira funciona porque trabalha com três personagens carismáticos, genuínos em suas angústias e desejos e, de uma forma até irônica, dialéticos: no raciocínio dos mágicos aprendizes, Ron é a tese do mago cheio de boas intenções, Hermione a antítese que inteligentemente questiona tudo e todos, e Harry a síntese do herói que precisa combater suas próprias dúvidas para ganhar batalhas externas - sim, tal qual um Jesus vencendo a tentação da montanha.

Juntos, eles funcionam como uma legítima Liga da Justiça em fase de crescimento, o que implica uma série de artifícios narrativos que se dão ao luxo de permitir a maturidade e crescimento dos personagens com a parcimônia necessária - não é todo mundo que consegue colocar oito filmes sobre uma mesma história no cinema. Com esse largura de tempo, a saga também funcionou pois, questão de sorte, viu dois jovens atores, Emma Watson e Rupert Grint, amadurecem e se transformarem em potenciais grandes intérpretes.
Em linhas específicas, os filmes Harry Potter dão certo porque 1) foram baseados na literatura bem arquitetada e bem construída de J. K. Rowling - ou como diria Dumbledore neste filme, é na organização das palavras que conseguimos, de fato, criar magia, 2) porque conseguiram sustentar uma grande quantidade de personagens, 3) porque não se intimidaram no orçamento necessário para criar os efeitos especiais que estivessem à altura dos detalhes descritivos dos livros, 4) porque criaram um dos melhores vilões dos últimos tempos - Voldemort vai deixar saudades - e, finalmente, 5) porque se permitiram reunir um elenco nada menos que espetacular.

Atores cujos currículos dispensam grandes apresentações: Ralph Fiennes, Michael Gambon, Alan Rickman, Helena Bonham Carter, Maggie Smith, Gemma Jones, Jim Broadbent e Emma Thompson, só para citar alguns mais premiados e reconhecidos. A pontuar que vários deles, neste último título, sequer ganham um diálogo. E olha que nem se mencionamos aqui outros pequenos "mimos" que a saga já deu aos seus fãs, tais como aquela ilustre apresentação de Jarvis Cocker, do Pulp, em Harry Potter e o Cálice de Fogo.

Reunidos, quase como que magicamente, todos esses elementos estiveram juntos numa saga que, sim, foi comercial do começo ao fim, e sim, muitas vezes emulou uma moral cristã de que o Bem precisa vencer o Mal a qualquer custo - um custo, aliás, que saiu caro neste último filme para alguns personagens. Mas nem por ser comercial ou moralista, a saga deixou de ser menos enfeitiçante na construção de seus personagens. E valores morais à parte, se isso não for a tal "magia do cinema", poucas coisas são.