Leia a crítica do jornalista Zeca Camargo (jornalista da Rede Globo) sobre "Relíquias da Morte - Parte 1"

Leia a crítica do jornalista Zeca Camargo (apresentador e jornalista da Rede Globo) sobre 'Relíquias da Morte - Parte 1' | Ordem da Fênix Brasileira
Crítica de "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1"
Por Zeca Camargo
Jornalista da Rede Globo de Televisão


Vi, no mesmo dia, dois filmes cujos personagens centrais eu tenho apenas relativa intimidade: Harry Potter e Ayrton Senna. Antes que os fãs de ambos protestem, queria deixar claro que, na minha amadora opinião de quem simplesmente gosta de cinema – e não tem nenhuma pretensão de ser um crítico -, para gostar de um filme sobre determinado assunto não é necessário ser um “convertido”, estar imerso naquele tema, muito menos entrar na sala escura já com a certeza de que vai gostar do que vai ver.
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O mesmo acontece com Senna e Potter. Com esse último – como os que acompanham este blog há algum tempo já sabem – eu tive uma relação tortuosa. Que, diga-se, chegou num equilíbrio razoável, quando, na época do lançamento do filme “O enigma do príncipe”, escrevi que tinha “feito as pazes” com o jovem mago. Mas deixe-me falar disso um pouco mais para frente. Antes, quero comentar sobre “Senna”, o filme – um excelente documentário sobre um dos maiores ídolos que o Brasil já teve.

Decidi vê-lo logo que saí da sessão de “Harry Potter e as relíquias da morte – parte 1″. Ao sair não exatamente recompensado (já já falamos disso) de duas horas e meia na companhia de um herói da ficção, achei interessante ver se um herói da vida real teria o mesmo apelo na grande tela. E tive uma ótima surpresa!

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Harry Potter? Passemos então ao mundo da ficção…

Há mais de dois anos, ao falar sobre a saga “Guerra nas estrelas”, chamei sua atenção para esse tipo de narrativa arquetípica:

“Na busca da verdade sobre seu passado – para preencher um vazio na relação pai/filho, que foi interrompida há tempos e de maneira traumática – e ainda procurando agregar sabedoria para construir um mundo mais justo, nosso herói passa por uma série de aprendizados para chegar cada vez mais perto de uma força universal capaz de comandar as grandes e poderosas correntes que regem o mundo num constante jogo de desequilíbrio – justamente, o bem e o mal –, caminho esse pelo qual ele enfrenta terríveis criaturas inimagináveis na vida do nosso planeta como o conhecemos, e mais toda a malevolência de vilões que possuem algo muito próximo da força que ele busca, porém o lado obscuro dela – obstáculos que ele atravessa com emoção e suspense, sempre guiado por um sábio (e ancião) mestre, que não apenas oferece pensamentos iluminados aqui em momentos-chave da aventura, mas também é o detentor de segredos que vão ajudar nosso herói na sua conquista final”.

Essa é mais ou menos a trajetória de Luke Skywalker, nosso herói de “Guerra nas estrelas”. Mas ela também pode ser empregada para descrever as aventuras de nosso querido Harry Potter! Cada geração precisa de histórias como essa para satisfazer nossa fantasia – e, quem sabe, encontrar alguma equilíbrio no caos que vamos percebendo que é o mundo, à medida em que vamos crescendo.

Longe de mim acusar J.K. Rowling de plágio – essa história é tão, como disse, arquetípica, que, se procurarmos bem, vamos ver coincidências até com as histórias dos Argonautas da mitologia grega! O que quero ressaltar aqui é justamente a relevância de um herói como Potter, que sempre existiu no imaginário humano – e deve reaparecer de outras maneiras para as próximas gerações (ou assim espero!). Porém, ao assistir a “As relíquias da morte”, eu me senti ligeiramente trapaceado – como se, pela primeira vez na saga (que já soma sete longas-metragens), eu não houvesse encontrado o que eu tinha pago (um ingresso) para ver…

Não é novidade para ninguém que o último livro escrito por Rowling sobre o aprendizado de Potter (outros podem vir sobre a vida adulta do mago, por que não?) foi dividido em dois para ser adaptado às telas. A princípio isso pareceu uma descarada estratégia para ganhar mais dinheiro em cima de um “franchising” que tinha seus dias contados. No entanto, num enorme esforço de mídia, diretores, produtores, e elenco, se desdobravam para convencer o público de que a história original do último livro era tão “densa” que exigia mais tempo na sua transposição para o cinema. Ora…

Tendo lido “As relíquias da morte” por inteiro, posso afirmar que o roteiro adaptado tem os mesmos problemas do original – “barrigas” longas demais, em passagens que parecem querer apenas ganhar tempo para nos levar ao “grande confronto final”. Quando li o livro, cheguei a comentar de “longos hiatos onde a ação é retratada numa velocidade glacial” – e o filme foi fiel a isso (o que dá um crédito duvidoso ao diretor David Yates). A sequência mais notória nesse sentido é aquela em que Potter, Hermione e Ron, perambulam acampados numa floresta – ora protegidos por um campo de força, ora vulneráveis a raptores (se bem que nunca fica claro o critério para eles estarem seguros ou não, mas quem sou eu para reclamar de um roteiro que presume que o espectador já sabe de tantas coisas que nem é preciso explicar tudo à minúcia…).

Já no começo abrupto – uma fuga em massa para confundir Voldemort sobre o paradeiro do “escolhido” – fica claro que “Relíquias da morte” não faz questão de conquistar nenhum fã novo de Harry Potter. Não leu nenhum livro nem assistiu a nenhum filme até então? Problema seu! A história segue como se os detalhes das milhares de páginas dos volumes anteriores – ou mesmo as horas das suas versões para o cinema – estivessem tão frescos na memória do espectador como a última “twitada” que você recebeu do seu melhor amigo.

Tudo bem, não vou implicar com isso… Mas se o filme tivesse tido a generosidade de dar um pouco mais de contexto, talvez fosse mais fácil entender (ou lembrar), por exemplo, por que Potter fazia tanta questão de visitar Batilda. Ou por que Ron fica tão incomodado com a proximidade entre Potter e Hermione. Ou ainda, por que Bellatriz quer tanto “pegar” Potter pessoalmente. Ou, no mínimo, o que é um “horcrux” e por que eles querem tanto descobrir onde estão “os que faltam destruir” – fala sério!

(Brigada do “spoiler”, segurem o chilique. Se vocês estão tão preocupados com o que é dito ou não sobre o filme, que conta exatamente o que está no livro, é porque você não leram “Relíquias da morte”… E se vocês não leram “Relíquias da morte”… Vocês deveriam estar tão preocupados assim com Harry Potter?).

Eu não me incomodaria talvez com tantas “pontas soltas” se o filme fosse mais, hum, “redondo”. Mas ele termina sem nenhum gancho para chamar para o episódio “derradeiramente” final (o pleonasmo é proposital!), e fez com que eu me sentisse extremamente alugado de ter investido mais de duas horas da minha atenção nele. E olhe que eu nem sou um fã “cinco estrelas” de Potter – posso só imaginar o que um garoto, ou uma garota, que se dedicou a seguir toda a história (em livros e em filmes) deve estar sentindo…

Contudo, como já manifestei hoje mesmo, minha relação com Harry Potter é tortuosa. Já “brigamos” e já “fizemos” as pazes ao longo desses anos todos, e nada impede que no lançamento de “Relíquias da morte – parte 2″, em meados de 2011, eu volte a me divertir com ele. Mas, por enquanto, o ídolo que aprendi a admirar ao longo de quase uma década, não me parece o mesmo.

Na improvável comparação entre Senna e Potter, nosso piloto está ganhando com uma volta de vantagem. Só comprovando que – aliás, como diz a própria canção de Elis já citada aqui – “viver é melhor que sonhar”…